FOME EMOCIONAL

Ana Barroso, Nutricionista

Emanuela Lopes, Psicóloga

Alimentar os sentimentos: como controlar?

A alimentação vai para além das necessidades fisiológicas do nosso organismo. Questões sociais, pessoais, emocionais ou até culturais fazem parte deste ato.

O contexto pandémico que atravessamos obrigou-nos a uma readaptação da nossa vida pessoal e profissional. Alteração do nosso comportamento/rotina alimentar foi um elemento marcante, com repercussões significativas na vida dos cidadãos portugueses. De acordo com o estudo da Direção-Geral da Saúde realizado em 2021 com o objetivo de analisar os hábitos alimentares dos portugueses, refere que nesse periodo quase metade da população inquirida (45,1%) diz ter alterado os seus hábitos alimentares durante aquele tempo e 41,8% têm a perceção de que mudou para pior. As razões que conduziram à alteração dos hábitos alimentares devem-se à “alteração no apetite causada pelo stresse”, “alterações no número de idas às compras” e alteração do número de refeições do dia (“Passaram a petiscar mais ao longo do dia”). 1

A pandemia instalou-se abruptamente e gera sentimentos de incerteza, insegurança, medo e ameaça, que constituem por si só fatores de enorme stresse e inquietude. Se os alimentos geram emoções e vice-versa, é de extrema importância a associação entre a saúde mental e a alimentação.

A fome emocional é o ato de consumo de alimentos nutricionalmente pobres (com maior teor em açúcar, sal e gorduras) com o intuito de camuflar sentimos negativos como angústia, tristeza, frustração, ansiedade, etc.2;3 Vários são os fatores que podem estar na causa da fome emocional contudo, quando este consumo de torna incontrolável e recorrente (hábito) poderá conduzir a aumento do teor em gordura corporal e consequentemente aumento de peso.

A comida funciona como um conforto, como um consolo. A escolha de determinados alimentos, como hidratos de carbono e açúcares, pode ser explicado pela produção de serotonina, que é um neurotransmissor que atua no cérebro regulando o humor, estando associada ao bem-estar, à sensação de felicidade.

E, quando nos alimentamos para saciar outro tipo de necessidades, nomeadamente necessidades emocionais, a comida passa a ser um mecanismo de recompensa para lidarmos com as nossas emoções.

Associado ao descontrolo alimentar surgem sentimentos de culpa, vergonha, baixa autoestima. Recorrentemente as pessoas acabam por iniciar dietas restritivas ou “dietas da moda” tornando todo este processo num ciclo vicioso: ora períodos de restrição alimentar ora períodos de compulsão alimentar. As dietas restritas poderão ser pouco equilibradas do ponto de vista nutricional e pouco eficazes a longo prazo, pelo que conduzirão a um impacto negativo na saúde de quem as pratica. A relação com a comida torna-se então problemática e pouco saudável. 

Numa perspetiva de solucionar os episódios de descontrolo alimentar é importante haver consciência e percecionar qual a situação ou situações que despoletam a fome emocional. Posteriormente é necessário a exploração de estratégias e colocar em prática aquela que melhor funciona.

É importante uma abordagem que promova a mudança para um estilo de vida saudável, uma melhoria no comportamento alimentar/hábitos de atividade física e um aumento da autodeterminação, valorizando sempre a autonomia e o bem-estar pessoal. Só assim é possível ultrapassar barreiras e corresponder com a tão esperada mudança de comportamento alimentar.

Uma alimentação saudável e equilibrada é essencial para um desempenho máximo do nosso organismo, garantindo uma maior qualidade de vida e longevidade.

Dicas gerais:

– Perceber a diferença entre fome fisiológica (fornecer ao organismo os nutrientes necessários para um bom funcionamento geral) e fome emocional (está relacionada com o estado mental e não com as necessidades fisiológicas);

– Compreender o que desencadeia a fome emocional. Quando é possível nomear/identificar o sentimento, maior a facilidade de solucionar a causa e de controlar a ingesta alimentar. Explorar um leque de alternativas para dissociar a ingestão alimentar com as nossas emoções: ligar a um amigo ou familiar; praticar exercício físico, ouvir música, ler um livro ou filme, qualquer alternativa é valida desde que funcione;

– Meditação: Tomar consciência do corpo e das suas necessidades. A atenção plena e a alimentação consciente têm o potencial de abordar comportamentos alimentares problemáticos e os desafios para controlar a ingestão alimentar; 4

– Praticar exercício físico de forma formal (ginásio) ou informal (dentro de casa ou ao ar livre);

– Escrever um diário alimentar;

– Evitar ir às compras cansado, stressado ou com fome. Fazer uma lista do que é necessário é mais fácil de controlar os alimentos que colocamos dentro de casa.

Dicas nutricionais:

– Consumir sopa de legumes nas duas refeições. Adicionar sementes de chia poderá contribuir para uma maior saciedade;

– Privilegiar os legumes de cor verde escuro como couves, espinafres, agrião, nabiças, brócolos assim como as frutas cítricas (laranja, kiwi, maracujá). Os legumes e frutas são ricos em vitaminas, minerais e flavonoides, substâncias com alto poder antioxidante e que contribuem para redução da pressão arterial, ajudando a relaxar e combater o stress;

– Privilegiar alimentos ricos em gordura insaturada pois possuem compostos antioxidantes e anti-inflamatórios importantes para a prevenção de doenças coronárias e para o desenvolvimento da função cognitiva, entre outros. Boas escolhas recaem sobre o azeite, frutos oleaginosos (avelã, nozes, amendoins, etc), abacate, cereais integrais não açucarados, sementes, gordura de peixe como o salmão, cavala ou sardinha, óleo de fígado de peixe, hortícolas de cor verde-escuro.

– Consumir alimentos ricos em triptofano como nozes, ovo, pescado, peru, entre outros. O triptofano é um precursor do neurotransmissor serotonina (5-hidroxitriptamina: 5-HT) e influência o sono, comportamento, fadiga, ingesta alimentar entre outras. 5

– Faça uma leitura consciente dos rótulos alimentares e modere o consumo de alimentos ricos em ricos em gordura, açúcar e sal.

– Dormir e descansar o suficiente. Um número insuficiente de horas de sono e padrões de sono irregulares entre dias da semana e fim de semana associaram-se a hábitos alimentares pouco saudáveis e a alterações do comportamento alimentar. 6

– Se necessário procurar apoio especialista em psicologia e nutrição.

E você, já passou por alguma dessas situações de fome psicológica? Comente abaixo!

Bibliografia:

  1. React-Covid – Inquérito sobre alimentação e atividade física em contexto de contenção social. Direção-Geral da Saúde. 2021
  2. Catharine Evers, F. Marijn Stok and Denise T. D. de Ridder. “Feeding your feelings: emotion regulation Strategies and emotional eating”; Personality and Social Psychology Bulletin 2010; 36:792-804.
  3. Janet M Warren, Nicola Smith, Margaret Ashwell. A structured literature review on the role of mindfulness, mindful eating and intuitive eating in changing eating behaviours: effectiveness and associated potential mechanisms. Nutrition Research Reviews. 2017;30:272-283.
  4. Selena t. Nguyen-rodriguez, Jennifer b. unger, and Donna spruijt-metz. Psychological Determinants of Emotional Eating in Adolescence; Eat Disord. 2009;17:211-224.
  5. Cuq JA, Friedman M. Effect of heat on tryptophan in food: chemistry, toxicology and nutritional consequences. In: Friedman, M. Absorption and utilization of amino acids III 1st ed. Florida: CRC Press; 1989 p.103
  6. Sofia R., Diana S., Cristiana C., Eva C. Padrões de sono, hábitos e comportamentos alimentares de crianças com sobrepeso/obesidade e suas cuidadoras. Acta Portuguesa de Nutrição. 2021; 25: 12-16.

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